sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Uma nova perspectiva sobre Comunicação, Sustentabilidade e Política

Evandro Vieira Ouriques*

Dentre todas as fontes de referência que movem ou podem mover com Justiça e Dignidade as Políticas Públicas, as Redes e o Empreendedorismo, a Sustentabilidade é a mais importante de todas. Dentre o que faço neste sentido estão por exemplo minhas consultorias, meu curso JPPS-Comunicação e Sustentabilidade e a bibliografia ao final deste artigo.

Como não temos conseguido Sustentabilidade como a precisamos, investiguei o Triple Bottom Line, que a maior parte das empresas e organizações em todo o mundo têm como guia, localizei o ponto cego deste modelo e criei, em 2005, a Gestão da Mente Sustentável, o Quarto Bottom Line, avançando-o.

Uma vez que sem limparmos as sequências mentais (o fluxo pensamentos, afetos e percepções), o design mental, o modelo mental, pouco ou nada adianta falar em Sustentabilidade, como temos visto sem parar desde o final do século passado, por exemplo na COP-15, pois como somos cultura, somos o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que percebemos.

A Sustentabilidade é mais importante ainda, por exemplo, que a cultura digital e as redes, pois apenas ela pode orientar o verdadeiro sentido democrático das conexões, das alianças, das conquistas tecnológicas, das intervenções nos territórios. E, assim, transformar o atual e imenso acúmulo de crises, de dimensão tectônica, em extraordinária oportunidade de um futuro que faça sentido: um futuro fundado em valores comunais, os que garantem a coesão social. E, como todo futuro, ele é sempre construído agora, pelo poder do pensamento claro, complexo e focado: por uma Mente Sustentável.

E, mais: apenas a Sustentabilidade pode trazer à tona o verdadeiro sentido da própria Comunicação, muito distinto da instrumental fogueira de vaidades atual.
Explico. Por partes.
1. Por que a Sustentabilidade ocupa este papel central?
Por que o processo de conceituação do que seja a Cultura, e dentro desta a Filosofia e a História, acabou por definí-la como a ruptura do continnuum do processo natural. Ou seja, como a “outra” da Natureza: aquela que não é a Natureza. Neste conceito portanto temos a oposição dualista entre o que passamos a chamar de Cultura faceao que então passamos a chamar de Natureza.

O resultado desta ruptura colhemos principalmente durante o século XX, apesar de já na Roma antiga, no séc. VII a.C., por exemplo, existir legislação para controlar os perigos do trânsito de carroças, bem como o imenso barulho que elas faziam nas ruas à noite não deixando sobretudo os pobres dormirem.
Pelo menos desde 1972 temos as provas científicas irrefutáveis deste erro epistemológico, e desde então resistimos a rever nossos conceitos sobre a Vida e sobre o Mundo, aí incluídos os conceitos de Cultura e Natureza.

Resistimos a mudar de design mental e no entanto queremos mudar o design dos objetos, dos projetos, dos empreendimentos, dos planejamentos, das redes; resistimos a abandonar a mente insustentável, preferindo insistir, na maior parte dos casos, em uma atitude greenwash; ou seja, em uma atitude verde apenas como efeito de real, alimentando tal opção epistemológica dualista, fatal para o nosso presente e para o futuro das novas gerações: separar Cultura e Natureza foi interromper a conexão primeira, a rede primeira, que é a interdependência sistêmica e complexa entre o biológico e o cultural.

Estava e está no conceito Cultura, portanto, instalado o divórcio, a falta de Comunicação, em uma forma talvez de amor líquido. Em verdade uma mistura de ressentimento e melancólica admiração da Cultura pela Natureza, facilmente perceptível na maneira pontual e utilitarista com a qual este re-encontro se dá nos cobiçados finais de semana populares ou ultra-elitizados, que vão dos super spas e resorts aos piqueniques-farofa na praia, ou ao churrasco à beira da piscina de plástico.

Ou, então, nas commodities,por exemplo, petróleo, gás, ouro e os outros metais presentes em toda a cadeia industrial e nos produtos que enchem os supermercados e os shoppings, e que são retiradas in natura diretamente da Natureza e que continuam a mover o mundo que destroí assim, digamos, sua própria mãe, sua própria origem, a própria fonte que a alimenta.

Sim, há algo de profunda insanidade neste design mental, nesta Cultura. Para destacadas autoridades da clínica social da psicanálise, a característica dominante da economia psíquica pós-moderna é exatamente a iminência do colapso psicótico.

2. Por que a Sustentabilidade permite repensar de forma ampla o que seja a Comunicação?

A Sustentabilidade obriga a repensar a Comunicação pois comprova que a Comunicação é a linguagem do que chamamos de Natureza, que se expressa através da lógica das redes biológicas, cognitivas, da ancestralidade e, por isto, também das redes culturais e sociais.

Trata-se, sem dúvida de uma imensa vaidade, daí tanta ocorrência de celebridades e narcisismos nas redes sociais, estar brevemente sobre um Planeta no qual surgimos apenas no último segundo (se compactamos a História de 14 bilhões de anos em um ano) e que flutua em meio a um Cosmos de tal maneira gigantesco, e insistir-se em dar ordem ao mundo, insistir-se em recusar comunicar Cultura e Natureza, recusar-se a comunicar poder e generosidade.

O Desafio de Pensar

Tratar portanto da Comunicação e da Sustentabilidade é entender que Segurança Ambiental, Justiça Social e Equidade Econômica, metas do Triple Bottom Line, só se dão de fato pela construção e gestão de uma Mente Sustentável, que possa garantir que a palavra dita se torne ato concretizado mediante o foco da vontade neste sentido.

É quando o indíviduo, rede, movimento, organização e instituição monitora e vigia seu próprio Território Mental (o fluxo de pensamentos, afetos e percepções, dentre elas a intuição) que o poder de criar Políticas Públicas, Redes e Emprendimentos se manifesta de maneira sustentável.

Para isto é preciso sustar a compulsão do produtivismo; e meditar; construir deliberadamente um pensamento respiratório; agir na mais poderosa das ações: a que fazemos sobre os conceitos, pois somos, como disse, o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que percebemos. Somos responsáveis pelo que fazemos. O que vivemos é o resultado de nossas aspirações.

Por isto é que dedico-me ao vigor do pensamento, a resistir à simplificaçnao do pensamento, fazendo para isto, através de longas e detalhadas leituras e reflexões, a arqueologia dos conceitos Comunicação e Sustentabilidade, como quem delicada e decidida-mente percorre o corpo amado, seja ele sútil ou mais denso, celebrando cada milímetro, cada respiração, cada pulsação, por vezes suave-mente, por vezes intensa-mente.

Para que as vidas, as carreiras, os empreendimentos, as alianças, as famílias, as redes, os movimentos, as corporações, os partidos, as organizações de todo o tipo, as intervenções nos territórios, ajam na solução do que hoje enfrentamos, é preciso livrar-se da captura pela idéia dualista de que existiria um “sistema” contra o qual nada se poderia fazer e que aprisionaria a Liberdade e a Justiça, através de uma opressão vinda de fora para dentro ou exercida “entre” os indivíduos.

Na realidade, o que aprisiona é o design mental que se tem e do qual não se livra simplesmente por obra e graça de se estar conectado à web e dispondo de banda larga e das ferramentas mais elaboradas de rede, pois as cadeias mentais é que são a causa final, e na maior parte dos casos, inconsciente, pois gravada no aparente “recato” da “vida privada”, na intimidade do próprio pensamento, no conjunto dos afetos e percepções que se tem sobre o mundo; conjunto este que se mantém intacto pelo tabu de não se falar sobre ele de forma alguma, divorciando-o da política e da gestão, como se dele não dependesse o futuro do empreendimento, o futuro da Nação.

Por isto é preciso treinar a mente para a ação transformadora no mundo, diante da qual não cabem as respostas prontas entregues por intenso, concentrado e monocórdico delivery mediático, educacional, familiar e social.
Há que se superar o desafio de comunicar para que se possa gozar plenamente do Direito à Comunicação. Esta tarefa demanda imenso exercício continuado de vontade, de disposição para mudar, de humildade, de escuta, de paciência, de compaixão.

É preciso ler muito e pausada-mente, perguntar, investigar e conversar, experimentar, como quem re-começa ou começa a pensar:

• É a “Natureza” “cruel”, de fato? É a “Natureza” violenta? Qual a “natureza” da violência psíquica e social, ou, melhor, como se constrói a insustentável cultura da violência, baseada na unidimensionalidade da remuneração e dos efeitos de real criados pelo acúmulo de poder e de capital, e na socialização das perdas, movidos pela inveja, pela vingança e pela indiferença, em uma manifestação do que os alemães chamam de schadenfreude; ou seja, o sentimento de alegria pelo sofrimento ou infelicidade dos outros?

• A vida é mesmo uma guerra? Os animais são violentos ou em verdade o amor é que é a base do biológico e do social? De onde vem a vontade das Políticas Públicas Sociais e da sustentabilidade? Do poder e do interesse auto-referenciados? Há portanto uma outra e distinta fonte de referência para o ato comunicativo, o ato do afeto, o ato da política?

• Qual a diferença entre violência, ira e indignação? Quem, o quê e onde estaria o verdadeiro “inimigo”?

• A Paz se multiplica por “contaminação” e por “meio viral”? De onde vem esta ânsia de agir e agir sem pensar, que atribui à tecnologia ou às redes (como se estas estivessem passando a existir agora…), portanto atribuindo ao que está fora, ao outro, as esperanças de Liberdade, Justiça e de Paz?

• Por que a ridicularização das utopias, quando entender o mundo apenas como um supermercado e um shopping center gigantesco, tecnologizado e simbólica e geográfica-mente infinito, custe o que custar, é que gera a insustentabilidade do divórcio entre palavra e ato; este fim-das-utopias, gerador da irresponsabilidade cidadã sobre a própria ação no mundo; este gerador da traição e do abuso, sob as múltiplas formas da inveja perpétua, fonte das celebridades e dos narcisismos?

Por que a insustentabilidade social que se quis superar no século XX, através do coletivismo, aprofundou-se na totalização pelo reconhecimento pelo capital, neste século XXI marcado, até agora, pelo individualismo, pelo mal-estar, pelos fundamentalismos de todas as ordens, pela devoção tecnológica, pela repetição da luta insana pelo poder mesmo nas esquerdas, a qual -quando muito- parece sobrar a resistência criativa, talvez não-criadora, aos crescentes dispositivos de vigilância?

• Por que a recusa a trabalhar intensa-mente para tornar o pensamento mais e mais complexo, e apenas assim, de fato, ter um pensamento livre, por que cristalino, descondicionado, por que claro, que permita a vida em sociedade?
• Por que a recusa a ter uma re-visão profunda e crítica sobre os conceitos que se usa, sobre o fluxo dos estados mentais?

• Enfim a dispor de tempo para compreender minuciosa-mente o discurso que cada um coloca no ar, como editor de si mesmo e, assim, poder de fato re-inventar-se, de fato inovar-se e poder então concretizar mais atitudes green e não apenas mais entulho não-reciclável greenwash?

• De ser, como mostrou cristalina-mente Mahatma Gandhi, aquilo que se quer ver no mundo, entendendo a indissociabilidade entre o psíquico, o social, o espiritual e o político, defendida também por tantos brilhantes pensadores ocidentais?

Por que então o atual elogio à loucura, na forma da simplificação do pensamento, da redução do pensamento ao nada que é a ação repetitiva e suicida, produzida pela pasteurização do pensamento?

A única maneira de se fazer a globalização é de fato esta? Na qual em nome de uma suposta eficácia tecnológica que (ao contrário de trazer mais democracia como foi prometido, tem é gerado na maior parte dos casos mais concentração e mais vigilância) instaurou a redução da complexidade e da multiplicidade, das diversidades do mundo, das diferenças das pessoas, dos povos, das culturas, brutal e anestesiada-mente ameaçadas?

• Por que ameaçar o pensamento, se apenas ele é que pode encontrar a coesão social na multiplicidade, como as teias se mantêm equilibradas, de encontrar uma coesão que não seja a dos totalitarismos, seja sob a forma do fascismo político, do fundamentalismo religioso, do fundamentalismo tecnológico.

O Desafio de Comunicar

De fato, é o pensamento que funda e move, e que é a integralidade da experiência de se estar vivo, na condição que patriarcal-mente, e portanto insustentavel-mente, ainda chamamos de “humano”.

É por isto que a Comunicação hoje ainda está muito na dimensão operacional: na produção de efeitos, na obtenção de capital de influência, quando o que precisa avançar é a política enquanto conceito, o negócio enquanto conceito, a rede enquanto conceito, a Comunicação enquanto conceito.

É assim que é urgente avançar a superação de pensar a Comunicação de maneira fragmentada, atenta apenas, como disse, aos processos.

É urgente construir, compreender, praticar e gerir uma Mente Sustentável. É preciso investir na profunda arqueologia dos conceitos que constituem o pensamento, os afetos e as percepções. A Mente Sustentável engloba a multidimensionalidade dos processos cognitivos, inclusive, claro, a intuição, pois apenas uma mente clara e focada permite termos Inovação verdadeira: a Comunicação, a Política, as Redes, os Empreeendimentos sustentáveis e assim democráticos.

Quando somos prisioneiros de uma cultura só podemos nos libertar através de uma outra cultura, sabemos disto. E isto apenas se faz pelo esforço de um pensamento novo e complexo, da Mente Sustentável, que elimine a poluição mental, e abrigue, sem pré-conceitos, o melhor dos conhecimentos de todas as culturas que o ser humano já construiu.

Fonte 

Os destaques em vermelho são meus (Lena).

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